Powered By Blogger

terça-feira, 7 de outubro de 2008

CAMINHANTES DO PADRE IBIAPINA



Caminhantes do Padre Ibiapina



Giovani Luiz



INTRODUÇÃO

Fazer o Caminho de Santiago, na Espanha, é um sonho antigo. Considero,entretanto, ser muito dificil realizá-lo. O desafio é grande. Inicialmente por se tratar de um roteiro no exterior. Depois, por ser o percurso longo. A rota francesa, a mais divulgada, tem mais de 800 km. Isso exige uma disponibilidade de tempo que muitas pessoas não dispõem, cerca de, no mínimo, trinta dias. Por outro lado, o custo de fazer o Caminho é relativamente caro, pois o Euro é uma moeda forte.

Tenho outro sonho. Fazer o Caminho da Fé. Este é bem menos exigente. Situado aqui no Brasil. São cerca de 400 km que vai do interior de São Paulo, de uma cidadezinha chamada Tambaú até Aparecida, passando pelo sul de Minas Gerais.

Entretanto, mesmo sendo roteiro brasileiro, não é fácil. Exige também certa disponibilidade de tempo e de recursos financeiros, condições que precisam ocorrerem simultaneamente para viabilizar a concretização do sonho.

De repente tomei conhecimento que bem aqui, próximo de onde moro, foi inaugurado o roteiro denominado Nos Passos do Padre Ibiapina. No interior da Paraíba havia agora uma alternativa. O caminho do Padre Ibiapina estava aqui tão perto, tão disponível, tão acessível, porque não fazê-lo?

Este roteiro paraibano é ainda pouco conhecido. Até mesmo entre os conterrâneos, poucos são aqueles que o conhecem e ainda, muito menos aqueles que tiveram a oportunidade de fazê-lo. É verdade! Não tem o apelo do Roteiro da Fé, que fica em são Paulo. Muito menos o charme e o glamour do roteiro europeu Santiago de Compostela, na Espanha. Entretanto, o roteiro paraibano tem os seus atrativos e vale lembrar: o seu patrono fez história e teve uma vida voltada para o serviço aos mais necessitados, uma vida de santidade.

O roteiro paraibano tem proposta bem simples. O desafio é sair do Memorial de Frei Damião, situado em Guarabira, até o Santuário de Santa Fé, situado em Solânea.A distância entre estes dois pontos é de quase 60 km. O percurso deve ser feito a pé, a cavalo ou de bicicleta. O mais comum é fazê-lo a pé. Simplesmente andar. Andar... andar... andar.

Este tão importante, animal e significativo movimento do homem mais ancestral, mais primitivo, mais autêntico, o caminhar, é que desejava fazer e ... sentir. Sentir este movimento, sentir o caminho, Concentrar-se apenas no caminhar. Olhar o caminho. Voltar-se para o interior. Procurar aprofundar a dimensão espiritual do ser.Seriam três dias diferentes. Seriam três dias andando e deixando-se tomar pelo puro e simples caminhar.

Embora seja relativamente curto o percurso quando comparado com o Caminho da Fé e o de Santiago de Compostela, não deixa de ser um desafio para quem mora na cidade e não está acostumado a andar cerca de 20 quilometros a cada dia. É natural, portanto, que exista uma certa inquietação. Uma das mais insistentes perguntas que não queriam calar: Será que tenho saúde e disposição física para agüentar? Será que vale a pena, deixar o conforto da cidade, do ar condicionado, do automóvel e meter-me nas brenhas desconfortáveis e –quem sabe ?- até mesmo perigosas? Perder um final de semana e gastar dinheiro para andar, será que vale a pena?





MEMORIAL A FREI DAMIÃO

Aos pés da enorme estátua de frei Damião que se ergue, majestosa, em um dos altos montes que circunda a cidade de Guarabira, começa o roteiro. Eu estava contemplando a cidade lá embaixo, às minhas costas a escadaria que leva ao santuário que fica na base do monumento. O sol ainda estava ameno, às 7:30 horas, mas o dia prenunciava ser de muito calor.

- Vamos fazer um pouco de alongamento antes de começar a nossa caminhada! – convidou Isaac, o guia que nos acompanha nesta empreitada. Desde nossa saída de João Pessoa, cerca de 100 km de Guarabira, Isaac viera conosco na van da Mais Brasil Turismo empresa que estava organizando a viagem. Na cidade de Guarabira, outro guia também passou a nos acompanhar. A idéia, segundo revelou Isaac, era um dos guias ir à frente com aqueles que caminhavam mais rápido e outro ir ao final com aqueles mais vagarosos.

Enquanto estirava os músculos naquela sessão de ginástica, eu olhava os demais integrantes do nosso grupo. Durante a rápida viagem até ali, tivéramos, entretanto, oportunidade de nos auto-apresentar. Havia chamado a minha atenção uma senhora de origem francesa, já avançada em anos. Fiquei impressionado por ela se dispor a fazer a caminhada. As demais pessoas eram da faixa etária situada entre os 35 aos 55 anos.

A ginástica terminou, fizemos algumas orações de mãos dadas.

Clarinha, minha esposa, ao meu lado, ,e Quitéria, minha cunhada, ao lado dela, começamos a nossa caminhada. São quase 60 quilometros dali até o Santuário de Santa Fé, no município de Solânea-PB. O santuário fica às margens da rodovia que liga a cidade de Arara-PB, sede do município de mesmo nome, ao município de Solânea. O roteiro foi desenvolvido sob os auspícios da Diocese de Guarabira, com a participação do Sebrae, Governo do Estado da Paraíba e a Paraiwa, organização não-governamental, constituída em forma de OSCIP, fundada em 1994. Teve também a participação da Prefeitura Municipal de Guarabira e de outras edilidades da região.

Vi que todos estavam iniciando o percurso. São mais de 14 integrantes, todos procedentes de João Pessoa. Ao grupo original incorporou-se, quando da chegada em Guarabira, um rapaz de nome Leandro, na função de segundo guia e mais 3 peregrinos.

O Memorial a Frei Damião, segundo a informação que nos foi passada, é a terceira maior estátua do Brasil. Perde apenas para o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, que é a maior de todas e para a estátua de padre Cícero, no Ceará. Fica localizado estrategicamente em um morro alto e de lá se avista a cidade de Guarabira e outras cidades próximas.

Virei o rosto para cima, admirando a estátua ( 32 metros de altura ) que se agiganta ao olhar do peregrino e, baixando os olhos para ver as cidades, lá embaixo, fui acometido de sentimentos paradoxais, motivado por aquele momento singular. Senti a minha diminuta dimensão espiritual, aos pés da grandiosa imagem que remetia à grandeza espiritual de Frei Damião.. Por outro lado, naquele instante, achava-me muito “ grande “, em relação aos demais seres humanos que viviam lá embaixo, naqueles aglomerados urbanos, que dali avistava, assim como em relação a todos os seres que fazem a humanidade comum, voltados para uma vida comezinha, preocupados com assuntos de um quotidiano banal, e, muitas vezes, vivendo em busca de miragens materiais, em um busca, muitas vezes, de objetivos mesquinhos e egoístas, distantes de encontrar sentido verdadeiro em suas existências. Eu me senti, naquele momento, muito diferente pelo simples, porém grandioso fato, de estar ali se propondo a fazer o caminho do Padre. Era também um sentimento de admiração para comigo mesmo: fora capaz de sair da rotina, do trivial, da tranqüila vida cheia de conforto urbano, para aprofundar um encontro comigo mesmo. Era como se rompesse com tudo, para, apenas a depender dos meus pés, enfrentar - esta é a palavra exata - para , em uma atitude de despojamento e de humildade, o cansaço e as agruras físicas que por cento adviriam a quem se dispõe a andar por tantos quilômetros. Porém, estava feliz Por estes três dias tudo passava a ser muito diferente do meu quotidiano que poderia ser considerado normal como o das demais pessoas: com tudo o que continha na verdade de artificial, longe do ser animal que também somos. Agora para me locomover não dependeria de um automóvel. Não usaria a força do motor. Não faria isso sentado, confortavelmente no ar condicionado. Tudo passa a ser muito simples e verdadeiramente natural. O mundo se resumiria no caminhar. Nada mais existiria.

A sensação interior de orgulho para comigo mesmo se bem que muito agradável,estava mesclada, entretanto, com uma leve preocupação. Não tinha nenhuma experiência em caminhar por cerca de 60 quilômetros, coisa nunca antes feita por mim.

Agora, naquela manhã de Sexta-feira, dia 17 de fevereiro de 2006, o percurso ainda desconhecido por nós, composto de trilhas e estradas de barro estava a nos esperar e... a desafiar. O dia estava espetacularmente bem iluminado pelo sol radiante como que colocado majestosamente no alto de um céu azul, lindo, sem nuvens. Embora ainda cedo, pois o relógio marcava 8:00 horas, o calor já era intenso, prenunciando um dia muito quente.

Mochila às costas, começamos a caminhada.


FOTOS
1- dA ESTATUA DE FREI DAMIÃO
2- Do grupo
3- do incio da caminhada
















CRUZEIRO DE ROMA

Construído no ano de 1899 em homenagem à Sagrada Família por um proprietário rural da região, situa-se a uma altitude de 507 metros, e este era o destino do nosso primeiro dia de caminhada. A distância a ser percorrida, do Memorial de frei Damião até o Cruzeiro de Roma, distrito de Bananeiras, é de 25,7 quilometros, o trecho mais longo de todos os dias. Essa distância, entretanto, é de certa forma compensada pela cobertura vegetal existente que permite ao peregrino desfrutar de um pouco de sombra, para aplacar o forte calor. Em situação de normalidade o pernoite é realizado ali mesmo, no Cruzeiro de Roma, em uma pousada rústica, construída ao lado da igreja, defronte de uma pequena praça que se abre logo após o pórtico de chegada, configurando-se em um arco gigante. Infelizmente por essa época o local estava passando por reforma e o pernoite não foi possível neste local tão significativo e tão cheio de religiosidade marcante dos traços de personalidade do nosso povo, que sempre escolhe lugares altos, como aquele para materializar os famosos cruzeiros, que se encontram em diversas cidades do interior do Nordeste, que se erguem como um clamor aos céus e como uma visão para todos que moram nas redondezas como que a lembrar sempre a dimensão sobrenatural que, do alto, passa a comandar a vida de todos. Como foi impossível ficarmos alí, tivemos que procurar outro pouso para descanso. Foi na Pousada do Brejo em Bananeiras que encontramos o apoio necessário nesta primeira noite e na seguinte. Bananeiras já foi uma grande produtora de café. Em 1852 o café produzido no município disputava em qualidade com o café produzido em São Paulo. Infelizmente, os cafezais foram dizimados com uma praga que surgiu em 1923 e que até hoje deixou sua marca deleteria. Bananeiras que se situa a 552 metros de altitude apresenta clima de montanha, sendo muito procurada nas meses de junho e julho, quando o frio é mais intenso, com temperatura em torno de 15º graus, à noite.

No segundo dia a distância a ser vencida é de 14,1 quilometros. É o menor trecho. Porém, apresenta pouca sombra. No terceiro e último dia, o percurso a ser percorrido é de 19,4 quilometros e termina no Santuário de Santa Fé, em Solânea, que é a chegada ao objetivo final.

No primeiro dia, por volta das 9:30 horas, cheguei, juntamente com os demais componentes do grupo, em Pirpirituba, município próximo a Guarabira, onde, junto à Igreja Matriz, na casa de apoio paroquial , fizemos a primeira parada para descanso. Ainda no primeiro dia, por volta das 11:30 horas, chegamos à Cachoeira do Roncador. Lá existe um restaurante rústico onde encomendamos o almoço, enquanto fomos nos refrescar tomando banho nas águas frias da cachoeira. O jantar ( do primeiro dia como do segundo dia ) foi em Bananeiras, na Pousada do Brejo.

No segundo dia começamos a caminhada no sopé do monte onde fica o Cruzeiro de Roma. É uma cansativa subida, muito íngreme.

Em função da longa caminhada do dia anterior eu estava sentindo as coxas e as pernas doloridas, em toda a sua extensão. A cada passo que dava sentia uma fisgada na altura da bacia. Olhando para os demais companheiros que se esforçavam como eu para subir aquele monte, pude notar que eles apresentavam, em seus semblantes, certo ar de cansaço físico, embora aparentando tranqüilidade e contentamento interior. Pensei : “ Nenhum deles apresentava o mesmo problema que eu estava sentindo” . Logo notei que o problema de alguns deles estava relacionado aos pés.. Tinham os pés cheios de bolhas, pelo esforço repetitivo de andar e pelo calo que os sapatos ao roçar na pele haviam provocado. Muitas vezes o vilão era o sapato novo, ainda não amaciado. Lembrei-me que no inicio daquela manhã, antes de sairmos, Isaac juntamente com Valmir, médico que integrava o nosso grupo, ajudaram a minorar o sofrimento delas. Com uma agulha esterilizada e uma linha, furavam a bolha e passavam esparadrapo especial para proteger o lugar dolorido.

Saímos da Pousada do Brejo e logo adiante uma fina chuva começou a molhar a todos os componentes do grupo. Alguns mais prevenidos tinham trazido roupa impermeável que rapidamente passaram a usar por cima da roupa normal. Outros, como não tinham como se proteger da chuva, mesmo assim, continuavam a seguir o caminho, normalmente, como que ignorando a chuva. Foi o meu caso, o de Clarinha e Quitéria. Ainda bem que a chuva não se acentuou, embora tenha nos acompanhado por quase toda a manhã.






GOIAMUNDUBA

Goiamunduba na língua indígena significa “ abundância de goiabas”. Era o nome de um antigo engenho de açúcar, que nos seus tempos áureos dominava esta região. De repente veio-me à mente os escritos de José Lins do Rego, sobretudo, Fogo Morto, magistral obra que retrata a derrocada de um ciclo econômico com a substituição do engenho pela usina. É como se estivesse ali presente, real, corporificado naquelas ruínas toda uma época que já passara. Hoje, entretanto, como que alquebrado pelos anos e pelo abandono, ruínas tristes, de uma Casa Grande que se mostra qual senhora envergonhada e encabulada, bastante deteriorada. Em frente a esta casa, do outro lado da estrada, tivemos a felicidade de ser recepcionados com um lanche especial servido no jardim e pomar que é refrigério nos dias de calor de uma casa simples, bem típica da região, erguida em taipa, moradia de um casal e de seus filhos atenciosos que nos acolheu afetuosamente. Estava presente também a secretaria de turismo de Bananeiras, Ana Gondim, com sua contagiante alegria. Estava também presente equipe de gravação de vídeo que filmou tudo. Depois dessa emocionante recepção, sob a orientação de um guia local, adentramos à mata de Goiamunduba que se avistava dali defronte de onde fizemos o lanche, São três florestas que formam uma Área de Relevante Interesse Ecológico -ARIE, formando 100 hectares de matas nativas. O grupo decidiu sair um pouco do roteiro para conhecer uma nascente d’água lá dentro, no mato. A sensação de entrar em uma mata fechada, como aquela, onde apenas uma estreita trilha permite que o caminhante possa conduzir os seus passos, é uma experiência interessante, sobretudo, pelos sons característicos da floresta, entremeados com momentos de profundo silêncio, próprios da mata. Mais adiante, antes de chegar na fonte, nos deparamos com uma clareira. As pessoas ficaram ali paradas, aguardando a vez de, em pequenos grupos de 4 pessoas, seguir adiante, para conhecer a nascente.Chamou-me a atenção o modo como que todos nós, com delicadeza, reverentes, nos aproximamos do local que foi considerado por todos nós, como que quase encantado e aquele momento revestia-se de toques de impressionismo mágico. O guia apanhou uma folha de uma planta que crescia próxima e improvisou um recipiente onde colheu um pouco daquela água cristalina e naturalmente fria. Cada um de nós tomou um pouco para refrescar e para brindar àquele momento especial. Ficamos admirando respeitosos, o brotar da água do nada, diretamente do chão, em um fino filete cristalino, por um certo período, depois voltamos para a clareira, para possibilitar a aproximação de outro grupo.

Uma das nossas colegas propôs que cada um de nós fizéssemos uma oração à mata, com um abraço às gigantescas árvores que ali, perto da clareira, se erguiam, majestosas. Então, cada um de nós, aceitando a proposta, escolheu um daqueles lindos exemplares da flora nativa e abraçou-as com emoção. Eu, naquele instante, tive a sensação de fazer parte daquele mundo da floresta, como integrante da natureza e um “ bicho da mata”, como aquele pássaro que cantava alegremente pousado em cima da copa de uma enorme jaqueira.

Mais tarde, ao sairmos da mata de Goiamunduba avistamos o casal Cícero Lucena- ex-prefeito de João Pessoa e Lauremília- sua esposa e vice-governadora do Estado que também faziam o caminho à pé. Soubemos depois que eles já fizeram esse caminho por várias vezes.

Lembro que ainda naquela manhã, antes de chegarmos em Goimunduba, passamos pelo engenho que fabrica a famosa aguardente “Rainha” ( e lembrei imediatamente do meu tio Carlos Pereira que é um apreciador responsável do produto). Tivemos assim oportunidade de visitar as instalações do engenho, se bem que o mesmo não estava moendo.

FOTOS DO ENGENHO


Quando saímos da mata de Goiamunduba as minhas coxas e pernas estavam muito doloridas. O caminhar para mim estava sendo muito difícil. Conversei com Isaac que me aconselhou fazer o restante do percurso na van, pois segundo me disse a situação poderia se complicar e no dia seguinte eu não ter a mínima condição de andar. Mesmo a contragosto resolvi obedecer. Em situação parecida com a minha estavam mais quatro integrantes do grupo que também foram orientados a fazer o restante do percurso daquele dia no veículo. Clarinha, solidária a mim, resolveu também me acompanhar no carro.

Depois do jantar naquela noite tivemos a oportunidade de conversar bastante e toquei um pouco de violão e cantei algumas músicas. Lembro que dois integrantes do grupo já estavam de passagem marcados para a Espanha. Fariam o Caminho de Santiago de Compostela. Para estes o caminho do Padre Ibiapina era uma espécie de treinamento para aquele percurso internacional, significativamente mais desafiador.

Disse também a eles na conversa daquela noite que tinha muita vontade de fazer Santiago de Compostela. Entretanto, pensei, não estava muito confiante em minhas pernas. Continuam a incomodar e naquela noite, apesar de Clarinha ter feito uma massagem com um produto especial recomendado por Isaac, senti dificuldade em dormir, pois as pernas doíam muito.

Ao amanhecer o dia, após tomar o café da manhã fizemos os exercícios de alongamentos, como já era de praxe. Minhas pernas pareciam não querer obedecer, cada passo era um tormento.

Estava começando a sentir uma sensação de frustração. Não seria capaz de terminar o caminho. Os demais companheiros poderiam fazer, eu não. Ficaria acompanhando, sentado na van. Era uma pena! Ao decidir fazer aquela caminhada eu estava com muita vontade de fazer todo o percurso rigorosamente a pé, para poder usufruir daqueles momentos singulares. Porém as pernas queriam dizer não.

Elevei o pensamento ao Padre Ibiapina. Pedi silenciosamente que ele, o patrono do caminho, intercedesse a Deus, me ajudasse a fazer o percurso daquele terceiro e último dia e que assim eu pudesse chegar em Santa Fé, caminhando e saudável.

Meu pedido foi atendido. Ao iniciar o percurso naquele dia passei a sentir firmeza em minhas pernas e o meu temor de não poder concluir o caminho se dissipou de forma surpreendente. Passei a caminhar com tanto ânimo que, sem querer, me postei à frente do grupo. Tamanha era minha disposição que Isaac e os demais companheiros ficaram admirados. A esposa de Valmir chegou até a comentar:

- Giovani parece que está turbinado!

Assim, foi com muita alegria que cheguei em Santa Fé.


FOTOS







PADRE IBIAPINA

Fizemos o roteiro em uma época muito oportuna, quando a igreja comemora os 123 anos da morte do padre Ibiapina, no dia 19 de fevereiro. Este religioso dedicou literalmente sua vida aos pobres do sertão nordestino, um povo extremamente carente e esquecido pelos governantes. Exemplo de doação e de incansável atuação para minorar a situação de profunda penúria do povo, padre Ibiapina construiu igrejas, cemitérios, casas de caridade, cisternas, apaziguou contendas entre famílias e passou a ser venerado como santo pelo povo simples do Nordeste, após a sua morte, como também o foi o Padre Cícero.

Nasceu no Ceará, na cidade de Sobral, no dia 05 de agosto de 1806. Foi batizado com o nome de José Antonio Pereira Ibiapina.( depois que se ordenou padre passou a chamar-se José Antonio de Maria Ibiapina, em homenagem à Virgem Maria).

Em 1823, aos 17 anos, José Antonio foi com a família para Fortaleza e ainda neste ano, para Pernambuco, estudar no Seminário de Olinda, com o intuíto de ser padre.

Um dos fatos marcantes de sua vida aconteceu em 1825. O seu pai foi fuzilado em praça pública, em Fortaleza-CE, em represália por haver participado da revolução denominada Confederação do Equador. Seu irmão mais velho, que também participara do movimento, foi preso e levado para a ilha de Fernando de Noronha, aonde veio a falecer. Ainda como castigo adicional os bens da família foram confiscados.

Com a morte do pai e do irmão, José Antonio teve que assumir a direção da família, voltando para o Ceará e, por conseguinte, tendo que interromper os estudos, pelo menos por certo tempo.

Conseguindo retornar para os seus estudos em Olinda, Ibiapina passa a freqüentar, além das aulas do seminário, aulas do curso de direito, recém instalado no Mosteiro de São Bento. Ocorreu, entretanto, que as aulas passaram a apresentar incompatibilidade de horário com os estudos do Seminário. Diante disso, José Antonio optou pelos estudos jurídicos. Em 1832 formou-se na primeira turma daquele curso, obtendo o grau de bacharel em direito.

Logo após a conclusão do curso, Ibiapina foi nomeado professor de Direito Natural.

Aproveitando as férias escolares, Ibiapina viaja para o Ceará para rever familiares e amigos. Conhece Carolina Clarence, por quem se apaixonou e com quem marca casamento para ser realizado nas próximas férias escolares, quando programa sua nova visita ao Ceará.

Volta para Olinda para o exercício do magistério quando recebe a notícia que fora eleito Deputado Geral, por sinal o mais votado do Ceará, para a Assembléia Legislativa Nacional, no Rio de Janeiro.

Encerrado o ano letivo, viaja para o Ceará para cuidar do casamento e tomar providências no que se refere à sua moradia no Rio de Janeiro para o exercício do mandato de deputado. Ao chegar no Ceará tem uma notícia desagradável: sua noiva havia fugido de casa e casado com o primo Antonio Sucupira, frustrando-se, dessa forma, o sonho de Ibiapina de constituir família.

Foi para o Rio de Janeiro e assumiu o mandato de deputado. Quando do encerramento dos trabalhos legislativos, em 1834, volta ao Ceará para assumir a função de juiz de direito e chefe de polícia. Funções que exerceu por pouco tempo.

Em março de 1835 volta ao Rio de Janeiro para reassumir sua vida pública, permanecendo como deputado até 1837. Decide não mais continuar na vida pública, sentindo-se impossibilitado de lutar e defender o homem sertanejo nordestino, pois o nordeste era desprezado e dominado por poderosos. Por ter tomado esta decisão não aceitou ser presidente da província de Pernambuco e teria rejeitado o convite para assumir o cargo de Ministro da Justiça.

Passou a residir em Recife a partir de 1838 e foi convidado para advogar na Paraíba, na Vila Real do Brejo de Areia.

Em 1840, Ibiapina instala escritório de advocacia no pátio do Carmo em Recife, onde trabalhou por dez anos. Revelou-se um dos profissionais mais notáveis de Pernambuco e ganhou o título de “ defensor dos pobres” pelo apoio e interesse em defender as causas dos mais humildes e desamparados.

Em 1850, Ibiapina decide fechar o escritório e renunciar a carreira de advogado passando a residir, recluso, no sítio Caxangá, rezando, estudando teologia e filosofia. O motivo dessa sua decisão teria sido a negação pela justiça de uma causa justa que o feriu muito, no íntimo.

O amigo Dr. Américo Magalhães preocupava-se com a situação de Ibiapina e incentivou o mesmo a tentar a vida clerical . Confessou ao amigo que era naquele momento a sua maior vontade. Mas que não se sujeitaria a nenhum exame ou condição.

Conseguiu realizar o seu desejo, graças as suas credenciais de seminarista e de sua vida ilibida. Recebeu a tonsura clerical em 11 de junho de 1853. No dia 12 de junho de 1853, recebeu as duas primeiras ordens menores de hostiário e leitor. Depois de receber ainda diversas outras ordens religiosas, aos 3 de julho de 1853, ordenou-se sacerdote, aos 47 anos de idade.

Depois de recusar diversos cargos honrosos na Igreja, dentre os quais não aceitou receber a mitra de bispo, deixou de lado a vida urbana, aos 50 anos de idade, e resolveu dedicar-se aos trabalhos missionários junto aos doentes, pobres e orfãs, pelo interior de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, percorrendo a pé ou a cavalo mais de 601.758 km.

Conciliou várias intrigas, ensinou o povo a trabalhar em multirão, levantou e restaurou capelas, igrejas, cruzeiros, hospitais, cemitérios, açudes, cacimbas, barragens e estradas. Fundou 22 casas de caridade para órfãs, que eram entregues à administração das beatas.

Em 1876 , paralítico e se utilizando de cadeiras de rodas, fixou residência em Santa Fé, de onde supervisionava e orientava a administração das casas de caridade. Fez isso durante sete anos, mesmo doente, até sua morte.




FOTOS








SANTA FÉ

A chegada do nosso grupo de peregrinos à Santa Fé veio somar-se a uma grande multidão de romeiros que apinhavam o acesso ao santuário, o pátio e todas as dependência do complexo, que incluía uma capela, a casa onde morou o Padre, a casa paroquial, a casa de apoio, enorme, dentre outros ambientes.Todos reverenciam a memória de Ibiapina.

Fiquei deslumbrado com aquela verdadeira festa e com a enormidade do santuário, situado em uma região pobre e que se ergue inesperadamente, majestoso à beira da pista, que interliga Arara à Solânea.



FOTOS DO SANTUÁRIO




Apesar do cansaço físico do dia de caminhada não foi possível passar despercebido pela multidão. Nossa chegada foi triunfal. Fiz uma analogia com uma situação em que o maratonista, ou o piloto de fórmula 1, chega no ponto final de sua competição. Embora não estivéssemos, obviamente, participando de uma competição, porém a sensação de que havíamos vencido – a nos mesmos, o desânimo, a fraqueza, talvez – estava estampada em cada um de nossos rostos. A televisão filmou o grupo. Alguns, de nós, foram entrevistados. Logo depois fomos conduzidos diretamente para a casa paroquial onde fomos recebidos pelo bispo D. Muniz e outros religiosos que estavam presentes. Inclusive tive a alegria de encontrar o ex- colega do banco Paraiban, Nunes, jornalista e diácono. Almoçamos com eles em uma grande mesa, ouvindo o som de músicas religiosas de um carro de som estacionado em frente à casa que também orientava a todos os romeiros e chamava para uma missa campal que estava programada para pouco depois daquela hora do almoço.

Ao final da tarde pegamos a van e voltamos para João Pessoa. Durante o percurso comentei com os demais companheiros de viagem que o maior desafio ao se fazer os “ Passos do Padre Ibiapina”, como pude perceber naquele momento, ao final do trajeto, é enfrentar a topografia muito acidentada da região. Essa dificuldade é tanto maior nos dias muito quentes, quando o sol intenso e a excessiva luminosidade estão presentes. Todo o percurso, via Cruzeiro de Roma, praticamente, é feito subindo e descendo ladeiras. Quase não há trechos planos.

Fiquei pensando como foi oportuna a homenagem que se fez ao adorado padre nordestino, com a denominação e inauguração do caminho nos “ Passos do Padre Ibiapina” e com o santuário de Santa Fé, ambos em memória a uma personalidade marcante na história de nossa terra.

Ao aproximar-me de João Pessoa sentia-me realizado. Fora capaz de fazer os “Passos”. Agradeci ao patrono do caminho e a Deus por isso.


Camboinha-(Cabedelo-PB), maio de 2006

2 comentários:

Luiz Rodrigo disse...

Muito bom o blog, está de parabéns!!!

Leticia Cabral Sales disse...

Giovani, não tinha lido ainda seu blog, hoje por acaso checando nossos emails tive a enorme satisfação de ver sua mensagem! Parabéns pela descrição do Roteiro do Padre Ibiapina!

Letícia - Gerente - Mais brasil Turismo